SEMINÁRIOS

Rosa Rosae

Resumo

Leitura das Primeiras Estórias de Guimarães Rosa

Local: Universidade de Paris VIII, Depto. de Psicanálise
Situação: Proferido em Paris, onde o autor fez análise com Jacques Lacan e foi Professor Assistente do Depto. de Psicanálise (então dirigido por Jacques Lacan) da Universidade de Paris VIII, Vincennes. (Neste mesmo período também reapresenta seu Seminário de 1976, Senso Contra Censo). Texto do Seminário aprovado como Tese de Doutoramento em Letras pela UFRJ. Publicado pela Aoutra Editora, RJ, 1985.

Resumo

Retomam-se os conceitos fundamentais expostos em Senso Contra Censo para a constituição da Semasionomia como uma nova teoria da arte capaz de diálogo com as exigências postas pela psicanálise freudiana repensada por Lacan. Trata-se agora da com-sideração da obra de Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas e em particular Primeiras Estórias - acontecimento exemplar da semasionomia proposta, pedindo-se o testemunho grave do seu ato-poético.

Não se trata de uma psicanálise da obra de arte, pois o ato-poético assim pensado é isomórfico ao ato-analítico e põe a obra de arte no mesmo lugar topológico do analista. A estratégia de Guimarães Rosa, nessas duas obras, é no sentido de demonstrar o ponto-limite que a obra de arte atinge na construção de seu próprio caminho sem fixar-se apenas na estética dos modos e materiais empregados em sua elaboração. Esse ponto-limite, a partir do qual passa-se pela experiência de uma torção e de um retorno, é adscrito como homólogo ao Espelho, e passa a ser designado como Revirão, conceito que será decisivo na teoria geral do Pleroma (l986) e em seu modo de postular o conceito de Pulsão de Morte.

Em Grande Sertão: Veredas a análise recai principalmente sobre a situação transferencial de Riobaldo para com Diadorim e as peripécias vividas e sofridas por ele em função de seu sintoma: o sexo, a morte, o amor e a loucura. O deparar-se com o Espelho intransponível de um impossível Real (Lacan), um encontro faltoso cuja experiência só-depois o personagem transforma no epos vivo de sua narração.

Em Primeiras Estórias a construção é ainda mais sutil, pois agora já é o artista com a chave do segredo a re-expor com mestria o próprio Espelho, não como tema ou como encontro fortuito, mas como movimento mesmo de uma análise que nos dá o seu movimento até o fim da travessia. O que se traça em Grande Sertão: Veredas com a marca da travessia de Riobaldo pela alteridade radical na morte (Diadorim) e sua experiência de retorno, vem articulada de forma repetida em Primeiras Estórias não só em cada uma das pequenas estórias que compõem o livro, mas na organização e simetria com que estas mesmas estórias aparecem no interior da obra. O conto central se intitula O Espelho. Chega-se ao puro traço sem sentido, ao puro $entido vazio que a obra circunscreve como mimese, expondo o percurso dessa travessia.

Estabelece-se ainda uma distinção importante nesse processo de com-sideração da obra. Há a produção do objedarte (objet dart, de Duchamp) como manipulação no campo dos saberes já estabelecidos, mesmo por outros artistas, e há a obra-darte, que não é produzida em perversão polimorfa, mas sobrevém como emergência divina à revelia de qualquer indústria ou fabricação. É a Obra, em sua pura singularidade, almejando o impossível objeto do desejo (das Ding).

Assim a obra de Guimarães Rosa, que se constitui como exposição de sua análise, interessa não como literatura, cujo valor se dá nas chances do mercado e no jogo de forças dos sentidos dados e comandados pela política da cultura, mas como literapura, pura letra ou marca do sentido vazio capaz de produzir um reviramento, um Revirão, libertando-se dos sentidos dados e na aventura de um sentido novo, que possa resultar desse encontro com o Espelho, ponto-limite com o qual se depara a Pulsão em seu movimento de atingimento de uma morte inconsecutível, retornando em seu desejo eterno.

Aristides Alonso


Sumário

Rosa Rosae – Leitura das Primeiras Estórias de Guimarães Rosa

0 – B-A-bel 
Considerações sobre literatura, literadura e literapura.

1 – O outro e o Outro à João do Gerais
Para a psicanálise um texto deve ser com-siderado segundo suas próprias regras de entendimento – Do estatuto enigmático da obra de arte – Semasionomia: demonstração de que analista e obra de arte ocupam o mesmo lugar – Instância da Letra e sujeito letrado – A letra é ícone: Iconomia – “Interlúdio topológico”: 1/ substituição da folia trinária (R, S, I) do Nó borromeano por sua nodulação sintomática (R, S, I, Sintoma); 2/ substituição dessa estrutura quaternária pela Banda de Moebius – Elementos da Semasionomia: obra de arte como corte (objeto a) e sua redução à letra; texto da obra como análise – Estética do campo freudiano:Est’ética da litera-pura – Exemplaridade da Semasionomia: Grande Sertão: Veredas – Enquanto obra, Grande Sertão: Veredas é análise e metáfora do passe – Análise é travessia do espelho.

2 – Alegria e Hermenáutica

2.1 – Abracadobra 
Primeiras Estórias repete a travessia do Grande Sertão: Veredas – Exemplaridade dessa reexposição – Desenvolvimento do modelo ótico de Lacan – Atingimento do puro espelho: Revirão – Topologia do espelho – Organização dos contos de Primeiras Estórias a partir do Revirão.

2.2 – A plicação do espelho
Dupla constituição significante: ancoramento e periclitância do sentido – Constituição significante é princípio de pareamento dos contos – Demonstração dessa primeira reflexão simétrica – Aproximação do espelho.

3 – Belaim
Transformação dos pares (de contos) em nova série de unidades (de contos) – Segunda reflexão simétrica: pareamento entre as novas unidades – Esse novo pareamento exibe a estrutura fundamental de repetição que é o Espelho.

3.1 – Quartetos de corda
Formação dos pares de bicontos: os quartetos – Demonstração dessa segunda reflexão simétrica – Atingimento do espelho: constituição do significante enquanto tal.

3.2 – Do que s’obra ao que a
Formação da terceira série de contos: octetos – Terceira reflexão simétrica constrói a contrabanda de Moebius – A contrabanda é a topologia do Espelho – Da contrabanda ao nó borromeano: evidenciação da topologia do corte – “Significante enquanto $entido de uma obra” – Travessia dePrimeiras Estórias revela a estória do Sujeito – Lugar da obra é lugar do analista.

4 – A terceira margem da língua
Ascese da linguagem: alíngua – Alíngua é Espelho – Objedarte: vigência de perversão polimorfa – Obradarte: vigência de ato-poético – A obra de Guimarães Rosa é obradarte.

5 – Gráficos (encarte) 
Construção da Contrabanda – Reflexões e Rebatimentos.



Voltar