SEMINÁRIOS

Psicanálise & Polética

Resumo

Local: Sede do CFRJ
Situação: Publicado pela Aoutra Editora, RJ, 1986.

Resumo

Este Seminário aborda a delicada questão contemporânea da Ética e da Política à luz da psicanálise, ao mesmo tempo que pensa as possibilidades do estabelecimento de uma política da psicanálise a partir do fundamento ético proposto por Lacan. Na primeira parte, Auto Nomia, faz-se a crítica do conceito antropológico de Cultura e da suposta unversalidade da interdição do incesto para abordar a dimensão simbólica da ordem significante em sua especificidade.

A Cultura, e seus modos de vinculação de origem neolítica, é pensada como do lado da neurose subdita a uma ordem que legitima a perversidade de um discurso como Lei. Encaminha-se o reconhecimento da LEI como Lei da Diferença, que é apontada por um Real impossível de se escrever mas que comparece como puro corte instaurador das diferenças que se constituem na internalidade dos discursos da própria Cultura. Assim, em primeiro nível, tem-se a LEI como o Real impossível, como o próprio real da diferença que se impõe mas que não pode ser enunciado a não ser como conjetura para pensar essa indiscernibilidade radical.

Em segundo nível tem-se a Lei como aquela que pode nos dar a referenciação para a função social pura e simples sem necessidade de referenciação cultural. Trata-se do frater perante a Lei, no reconhecimento do fato de que somos falantes, reconhecimento de que há diferença entre cada um e cada outro e de onde se vai retirar um valor sintomático para dizê-la. Essa Lei da pura diferença é o movimento da Pulsão.

Em terceiro nível é a lei se instalando sintomaticamente. É como ela se apresenta no fundamento de toda cultura enquanto proibição do incesto. Por isso, pode-se afirmar que estamos situados há muito tempo numa ordem incestuosa, neolítica, fundadora do adelphós (o irmão consangüíneo da relação de parentesco). É a instalação da regra como lei humana, mas que só se mantém mediante o poder instalado de um dado sintoma. Em quarto nível é a l-e-i, para significar a fragmentação dos múltiplos códigos parciais distribuídos dentro da Cultura. São as tantas diferenças culturais, as regras de cada cultura construindo a regulagem dos comportamentos e a distribuição dos bens segundo o interesse de determinada vigência sintomática. Propõe-se, então, a Polética da Psicanálise como aquela capaz de manejar os quatro níveis da LEI e poder romper com as "baixas" referências da ordem legal, responsável pelo recrudescimento do mal-estar na cultura.

Na segunda parte, Corte Real, apresenta-se uma análise do quadro de Valázquez, As Meninas, revelando aspectos até então não tratados pelos autores que o abordaram. É uma com-sideração da obra como já fora apresentada em Senso Contra Censo, 1976. Pede-se à obra de Velázquez o testemunho do seu Ato Poético, o maneirismo e os artifícios requeridos como arte e a astúcia capaz de exibir o sentido puro, o sentido como puro corte onde qualquer significação se desfaz. É partindo do testemunho do Ato-Poético de As Meninas que se estabelecem os quatro níveis da LEI e suas decantações em enunciados que regram a ordem cultural vigente.

Na terceira parte, Heterofagia, considerando a "utopia" de Oswald de Andrade e sua revolução caraíba, aborda-se a antropofagia - retomada como heterofagia - e se articula essa fecunda intuição do poeta como a possibilidade do jogo polético com a diferença, suspeitado na sintomática brasileira e seu jeitinho no trato com o imperativo da regragem social.

Psicanálise & Polética é um programa inteiro de questões relativas à Política da psicanálise e suas possibilidades de intervenção no seio da Cultura, muito além da clínica de gabinete visando minorar o mal-estar denunciado por Freud.

Aristides Alonso


Sumário

Auto Nomia

1 – 18 Mar: Não me sonhem nem me outrem 
A psicanálise é a crise – A psicanálise se fundamenta numa Ética, e a política no Saber – A psicanálise rememora seu fundamento ético para a pólisPolética – O universal para o falante é a conjunção Lei/Desejo – Fundamento ético da Lei: Diferença – O assassínio está excluído da Lei – Relação das fórmulas quânticas à Lei – Binômio Lei/Desejo x fascismos e libertarismos – Polética como dissolução da cultura – Indicações para uma Diferocracia – O verdadeiro incesto é o impossível, por isso proibido – “A Lei não se fundamenta num saber” – Esclarecimentos sobre perversão e perversidade em sua relação com a Lei.

2 – 25 Mar: Botem um tatu 
Totem e Tabu: lógica da produção do Simbólico – “Ambivalência” da Lei: aquilo que ela proíbe é seu fundamento – Entendimento da “ambivalência” da lei: a negação da função fálica indica a exceção que funda a regra – Crítica à distinção antropológica entre o fato “natural” da consangüinidade e o fato “cultural” da aliança – Remitificação de Totem e Tabu: o mito do Macaco Maluco – Psicanálise: aliança significante; Antropologia: aliança de parentesco – Articulação do conceito de creodo à lógica da estrutura – Cultura como um caminho necessário (creodo) do Simbólico – Distinção entre ato de fundação da Lei e enunciado legal – O enunciado legal é afiançado pela enunciação da Lei.

3 – 01 Abr: Tarzan da Silva
Apresentação da estória de Tarzan, de Edgar Rice Burroughs – Proposição de três mitos a partir da estória de Tarzan – Mito da horda primitiva – Mito da instalação do simbólico – Mito da passagem de animal a humano – Análise da emergência do falante – Diferença ôntica como marca constitutiva do falante – Falta real no imaginário e fundação do simbólico como artifício – “A cultura não é o simbólico” – O inconsciente e a hipótese do simbólico puro.

4 – 15 Abr: Desde o para Isso: de Adão a Édipo
Distinção entre a constituição da Lei e da ordem de parentesco a partir da leitura do Gênese – Jardim do Éden e expulsão do paraíso: origem do impossível – Caim e Abel: momento de fundação da Lei – Noé: competência simbólica e suas aplicações na ordenação de parentesco e na marcação territorial – Ordem de parentesco é creodo – A cultura é fundada com o Neolítico – “História e cultura são a mesma coisa” – Torre de Babel: totalitarismo da cultura x diferença do inconsciente.

5 – 22 Abr: Édipo em Calúnia
A questão edipiana não se reduz à cultura – Resumo comentado de Édipo Rei – Incesto é o que permite transação – A função paterna instala a impossibilidade do incesto como relação – Conseqüência da função paterna: não-totalização das transações – Pregnância imaginária da cultura – Assunção da função paterna como dissolução da cultura – Função paterna e ato- poético.

6 – 28 Abr: O gene e tal
Questionamento da tese antropológica da oposição Natureza/Cultura – “O simbólico surge como artifício que vem em lugar daquilo que falta” – Fixões ou efeitos da função simbólica – Distinção entre a função legal (Lei) e suas possibilidades de regulação na cultura – Estrutura da metáfora e da metonímia em Lacan – Metáfora paterna é condição de regulação – Metáfora como produção (Lei) e como repetição do produzido (cultura) – Vocação genitiva e genital da cultura: ordem de parentesco como metáfora da reprodução sexuada – Três níveis de castração como modalidades da função legal: proibição de totalização; proibição da eliminação da diferença; proibição do incesto.

7 – 13 Mai: Ainda o gene e tal
A vigência simbólica da diferença sexual é regente de toda e qualquer diferença – Hipótese da proibição do incesto como caso particular da diferença sexual – Duas funções da metáfora: desvelamento e ocultamento – Cultura é metáfora de agri Neolítico – Édipo como proibição do incesto é uma metáfora – Superego é função repressiva cristalizada na proibição do incesto – Dois momentos do Édipo: Nome do Pai (Lei) e proibição do incesto (cultura) – Inclinação (em sentido orográfico) como metáfora de produção de cultura – Indicação da periclitância da cultura: entendimento de Lacan em oposição ao de Deleuze-Guattari.

8 – 20 Jun: Édipo e osome
Dupla articulação da cultura a partir da Lei – Ciclo tebano como explicitação da Lei: Nome do Pai, diferença sexual, laço social, ordem de parentesco e regulamento de Estado – Pressão superegóica de um enunciado legal.

9 – 27 Jun: Anti gona
Duas posturas da Lei: sociedade (associação dos falantes) e cultura (sintoma) – Antígona é o regime da diferença – Indiscernibilidade entre instauração do social e instauração da cultura na emergência da Lei – Lógica dessa indiscernibilidade a partir das fórmulas quânticas da sexuação – O real é o fundamento ético da Lei – O impossível não podendo ser dito (Lei), só se diz como interdito (lei) – Antígona é a questão da diferença entre Lei/Desejo e lei.

Corte Real

1 – 10 Jun: Le miroir dans la reine ou Le mi-roi dans l’arène
Com-sideração da obra de arte: seu lugar topológico coincide com o do analista – Ato-poético da obra de arte é puro corte ou Córte Real – Entendimento topológico do espelho como lógica de emergência de sujeito – Relação de Velázquez com os critérios de “obstinado rigor” e “coisa mental” – Início da análise d’As Meninas quanto à ordem visual, composição perspéctica e personagens – Crítica das proposições de Michel Foucault sobre As Meninas – Os pontosdinâmicos do quadro são o espelho (reflexão do Casal Real) e a porta (lugar do Aposentador) – Velázquez pinta o quadro olhando-o num espelho – Dupla reflexão especular n’As Meninasexplica o lugar do Casal Real – Planta baixa aproximada do quadro – Considerações sobre uso do espelho em dois outros quadros de Velázquez (Jesus em casa de Maria e Marta e Vênus no espelho) – Retomada da função topológica do espelho em psicanálise.

2 – 17 Jun: V. v. V.
Análise de Vênus no espelho: Vênus e Velázquez em relação ao espelho; olhar recíproco entre Vênus e Velázquez; olhar do Cupido – Considerações iniciais sobre diferença sexual a partir da topologia do espelho – Três fases da construção da função do espelho – Emergência de sujeito: inserção significante (feminino) e libidinal (masculino) – Reconhecimento da diferença sexual como quarta fase da função do espelho.

3 – 24 Jun: E - Sexão
Retomada da análise d’As Meninas – Descrição dos quadros Apolo e Mársias e Atena e Aracnereproduzido n’As Meninas – O quadro As Meninas é construção de espelho e sua explicitação – Operação viravesso do quadro – N’As Meninas luz é pura superfície de espelho – Consideração da diferença sexual a partir d’As Meninas – Sexo da obra de arte é neutro.

4 – 01 Jul: Apareceu a Margarida
Valor quiasmático do quadro enquanto reviramento – Esquema de emergência de Lei e Língua – Constituição sintomática da cultura – Arte é anterior à cultura – Lugar da Infanta Margarida n’As Meninas – Comentários sobre As Fiandeiras.
Anexo: As três demonstrações do viravesso no quadro As Meninas de Velázquez.

Heterofagia

1 – 19 Ago: Introdução à heterofagia
Resumo dos temas desenvolvidos nas seções anteriores – Reconhecimento da diferença é condição de operação da psicanálise – Sacação de Oswald de Andrade da antropofagia como sintomática fundamental do Brasil – Proposição da oposição homofagia/heterofagia para consideração da tese da antropofagia.

2 – 26 Ago: Porque me afano com meu país?
Assassinato cultural é tentativa de eliminação da diferença – Exame do Manifesto da Poesia Pau-Brasil e Manifesto Antropófago – Significações da devoração da diferença – Vocação heterossexual do sintoma antropofágico (heterofagia).

3 – 09 Set: Papo de tucano – O viravesso da utopia
Alterofilismo (alteridade) de base do sintoma antropofágico – Masculino/feminino na sintomática brasileira – Entendimento do sintoma brasileiro requer estrutura da contrabanda – Vocação utópica do Brasil é pelo avesso.

4 – 23 Set: A revolição caraíba
Alterarquia é o que rege a heterofagia – Reinvenção da língua é exemplar da alterarquia – Sentido da esculhambação na sintomática brasileira – Discussão das distinções entre messianismo e utopia, querigma e carisma.

5 – 07 Out: A polética do dleseijo
Dleseijo: binômio Lei/Desejo – Escrição matêmica da diferença sexual segundo Lacan – Diferença sexual é produção neguentrópica no sujeito – Condições da “escolha” sexual – Considerações sobre o estilo: distinção entre clássico e barroco – Proposição do estiloheterófago como terceiro lugar.

6 – 14 Out: ora que emprogresse
Apresentação da carta de desligamento de MDMagno da École de la Cause Freudienne – Significações do ora que emprogresse – Indicações históricas sobre a heterofagia – Caracterização dos estilos clássico, barroco e maneirismo – Compatibilidade entre maneirismo e heterofagia – Obra de arte vigora na heterofagia – Distinção entre fantasia e fantasma.

7 – 21 Out: En l’endroit ou Villegaignon print terre
Amor à instituição é sustentação de fascismo – Exigência de arqué (elástica e maneira) no processo de institucionalização – Crítica a MALU (Movimento Analítico Lacaniano Universal) – Exame da tese de Hauser sobre maneirismo – Impossível é referência que vigora nos quatro discursos – Proposição do discurso do capitalista – MALU é capitalização do projeto lacaniano.

8 – 04 Nov: Não é não
Distinção entre psicose (foraclusão do Nome do Pai) e feminino (suspensão do Nome do Pai) – Loucura essencial do falante não é psicose – Avessamento das fórmulas quânticas da sexuação para pensar a psicose – Há indecidibilidade na psicose como ausência da função de referência do sujeito– Quatro modalidades da instalação do sujeito: homem e mulher (instalação do Nome do Pai); paranóia e esquizofrenia (foraclusão do Nome do Pai) – Possibilidades do feminino: da possessão ao êxtase místico.

9 – 11 Nov: Vae victis
Quatro matrizes (homem, mulher, psicose, esquizofrenia) e uma só estrutura (R, S, I, Sintoma) – Pseudo-psicose não pertence à matriz da psicose – Neurose como sublegenda das matrizes masculino e feminino – Estatuto fóbico da neurose – Histeria é acossamento da matriz feminina – Obsessivo é acossado pela matriz masculina – Distinção entre perversão e perversão propriamente dita – Para a psicanálise aceitar o regime da diferença é denunciar o que destrói a diferença.

10 – 18 Nov: Noli me tangere
Psicanálise é competência de transação – Papel de Anísio Teixeira na cultura e formação brasileiras – O que interessa é a dissolução da cultura – Reconstrução do percurso do Seminário a partir da Lei da diferença – Caracterização da diferocracia: governo da diferonomia; minoriscito contínuo; articulação social baseada no simbólico – Discurso psicanalítico diante do campo social instituído: heterofagia – Função paterna situa a interdição como fundação simbólica.



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