SEMINÁRIOS

De Mysterio Magno

Resumo

A Nova Psicanálise

Local: Sede do CFRJ
Situação: Publicado pela Aoutra Editora, RJ, 1990. Inclui texto do Seminário Clínico (9 seções - 2° semestre) e um Anexo: Lugar do Analista & Fantasia.

Resumo

Para Heidegger, a questão maior da filosofia é o grande mistério: "por que há o ente, e não, antes, o Nada?" Neste Seminário, parte-se da afirmação de que não há mistério algum aí, pois o Nada - chamado de Morte ou de absoluta entropia - é apenas neutralização total das diferenças. Se Mistério há, é que o Haver, no seu afã de simetria, não pode, para seu gozo (dele, Haver), não se propor a hipersimetria absoluta de um não-Haver, o qual, como o nome diz, não há, mas se coloca como Causa, de direito, do movimento do Haver. Então, para além de qualquer Morte (que não há senão como mera perda ou banal perecimento), ou mesmo para além do fato de que há o Haver e o não-Haver não há (o que, por si só, já dá um basta à questão heideggeriana), trata-se de buscar como o Nada se comove, pois este se comove espontaneamente e quebra a própria simetria quando acossado pelo desejo d’Acoisa (das Ding) que se aloja no não-Haver. Para tratar deste como, ainda indescritível (daí seu Mistério), é preciso, portanto, falar do périplo do Haver na sua busca de não-Haver.

O afã de simetria do Haver se depara com um intransponível (o não-Haver, que não há), ou seja, com o impossível da simetria lá buscada (no não-Haver), inaugurando-se assim uma dissimetria originária e absoluta, cujo efeito são todas as outras dissimetrias (as modulações das diferenças que têm emergência no seio do Haver). Se o Haver é fechado por fora, pois não há nada fora dele uma vez que o não-Haver não há, ele é aberto por dentro a qualquer diferença que eventualmente compareça. Portanto, o Haver tem que aceitar o Revirão justamente por falta de seu Outro lado. Este Seminário vem tratar como, para além da proliferação das diferenças, o Haver repete em seu seio, por insistência desejante, a dissimetria radical.

Retoma-se o Até que Lacan apontara em Antígona, para situá-lo como o limite intransponível que se repete em cada diferente. Já que a dissimetria se funda e já que a diferença aparece, cabe aos diferentes um eco de limitação. Os falantes têm, portanto, um Até que, embora menor, é da mesma ordem que o do Haver. Isto porque portam o Terceiro em seu seio. Decorre daí que o estatuto do Haver é ético, no sentido dessa repetição inarredável, a qual se resume como singularidade para o Haver e como particularidade para cada ente dentro dele. Assim, a particularidade da história do falante está necessariamente referida à singularidade do Haver. Esta é a ética radical que a psicanálise coloca: referência ao Até do Haver.

Para o analista, o dever desta referência se agrava. Retomando a proposição lacaniana "não ceder sobre seu desejo" e a "traição" e a "culpa" que a acompanham no destino do sujeito, o mistério é que a não-traição do desejo não se coloca como obrigação para cada um. Ela depende de um julgamento que é da ordem da Aristocracia: o fato de a não-traição estar aberta a todos não significa que todos possam ou queiram chegar lá. No caso do Analista, é seu dever não ter-se recusado a passar pela experiência de reencontrar o limite, o Até, a que o desejo obriga. E se o retorno dessa experiência é feito na referência ao não-Haver inatingível, o que vem como referencial para seu Ato é a insistência do desejo, a possibilidade de se referenciar ao Terceiro termo e, portanto, à equivocação de tudo e à reafirmação de uma diferença que pode se pôr sobre qualquer hipótese. Daí, a necessária "ascendência moral" do Analista sobre o analisando e sobre a Polis.

Continua-se a considerar Antígona e a tratar do destino da repetição compulsória que vai em direção a um não-Haver que não há e retorna para um mesmo lugar. Tematizando as questões do livre-arbítrio, da determinação e da sobredeterminação, é introduzido o importante conceito de Hiperdeterminação. O que hiperdetermina o Haver em seu movimento de estados e de modalizações é sua Causa, que lhe é tão exterior que nem há, mas que nele se inscreve de algum modo, no Real do Revirão, e que se re-inscreve também no falante (princípio antrópico).

O Estádio do Espelho, de Lacan, é retomado visando retirar-se as conseqüências do acontecimento da simetria de inversão da imagem do outro lado do espelho. Mais do que ao assentamento sobre a imagem especular coagulante do corpo despedaçado (como já colocado em 1983), dá-se importância ao fato de que o júbilo está em haver reconhecimento do processo reflexivo como homológico ao que está inscrito nesta espécie como catoptria interna. É a coincidência, a tiquê, o encontro, da catoptria reconhecida visualmente no espelho com a catoptria da espécie: eu sou tão reflexivo quanto o espelho o é. Nesta catoptria essencial, passa-se por um ponto neutro, desde onde os avessos tornam indiferente o que está na ordem do signo.

Neste Seminário, temos a continuidade de re-composição da teoria psicanalítica sob um novo escopo que possibilite sua simplificação e unificação. Como vários acontecimentos nas ciências estão obrigando novos posicionamentos frente a protocolos até então tidos como universais, consideram-se as grandes transformações ocorridas nas outras áreas do saber contemporâneo, sobretudo na epistemologia, na física, na biologia e na etologia. Assim, na interlocução com os trabalhos do biólogo Humberto Maturana e do químico Ilya Prigogine, podemos verificar os pontos de contato com a teoria do Pleroma e com o conceito de Revirão no que se refere, por exemplo, às questões da estrutura do Cérebro, da transmissão da informação, da temporalidade e da historicidade do Inconsciente e do Haver.

Além disso, apresentam-se críticas originais a certa utilização do conceito de narcisismo para definir a "crise" de nossa época (em detrimento do que seria melhor entendido se visto sob a ótica da perversidade social). Inaugura-se também - na seção Plerossoma - uma nova abordagem da Psicossomática como fenômeno emergente do mal-entendido radical do Ternário humano, ou plerossomático, com o binário animal.

Potiguara Mendes Silveira Junior


Sumário

Apresentação

1 – 21 Mar: Até
Grande Mistério é como se repete a dissimetria no seio do Haver – Estatuto da psicanálise é ético porque ôntico – Referência de desejo é Não-Haver – Exemplaridade do Terceiro Lugar no mito de Antígona – Recusa da tese da coincidentia oppositorum mediante raciocínio topológico – Exame das principais proposições do Seminário A Ética, de Lacan – Ascendência moral do analista.

2 – 07 Abr: Le tic  de la psychanalysei
Repetição pulsional é esteio da ética da psicanálise – Reflexão sobre livre-arbítrio e sobredeterminação – Tese da indiferenciação como alternativa à questão do livre-arbítrio e da sobredeterminação – Proposição de Hiperdeterminação – Estatuto do Falo – Leitura do mito de Antígona a partir dos quatro sexos (Masculino, Feminino, Falanjo, Morte).

3 – 28 Abr: Le tic de la psychanalyse d’eux
Razão angélica de Antígona – Discussão sobre mérito e culpa – Dissolução do Sujeito – Ascese da hiperdeterminação como análise.

4 – 12 Mai: O estalo do espelho
Júbilo do Estádio do Espelho é reconhecimento da máquina catóptrica – Aproximações entre estudos em matemática e neurofisiologia e a estrutura catóptrica do Revirão – Indagação sobre função da constituição biológica da espécie humana no funcionamento catóptrico – Tese da emergência do Revirão por complexificação cerebral – Efeito de neutralização emerge para além da riqueza de funcionalidade sígnica.

5 – 26 Mai: O epitáfio do espelho
Indiferença sexual no Estádio do Espelho – Relação das categorias patológicas com a morte – Falo é indiferenciação – Psicanálise e Zen: modos alternativos de busca da indiferenciação – Precisão do conceito de equi-vocação e sua relação com a indiferenciação – Neutralidade do analista é saber fazer neutralização.

6 – 09 Jun: Ver um sim fiando o vôo
Revigoramento de possibilidade de clínica em psicanálise – Dominância de posição perversista no aparelho social – Fracasso e reestruturação da psicanálise – Questionamento do discurso da psicanálise a partir do exame crítico dos quatro discursos de Lacan – Questões sobre relação entre melancolia e posição perversista no aparelho social.

7 – 23 Jun: Ludus angelorum
Leitura da nota preliminar do poema Mensagem, de Fernando Pessoa – Competência lúdica da psicanálise: nem illudere (ilusão no jogo), nem eludere (ilusão do jogo) – Mensagem freudiana:reludere (tornar a pôr em jogo).

8 – 15 Ago: O século de Freud
Lema freudiano para o próximo século: wo Es war, soll Ich werden – “$ujeito enquanto tal é pura possibilidade de $entido” – Prática freudiana diante da convulsão dos saberes – Lugar plerômico da psicanálise – “Psicanálise é arte de fazer futuro”.

9 – 01 Set: O de seu: entre as sereias e o mastro
Lugar Terceiro de Ulisses na escrita de Homero e Joyce – Postulação de emergência necessária do Revirão (Falanjo) no Campo do Sentido – Consideração das teorias antrópicas – Princípio angélico posturado a partir da Pulsão – Experiências pictóricas de Rothko e Reinhardt como exemplares de Revirão.

10 – 22 Set: Haver e ser um mano
Retomada da emergência do Falanjo no Campo do Sentido – Construtura do Falanjo no Campo do Sentido: polêmica entre Imaginário e Simbólico – Relação entre ternário (Simbólico) e binário (Imaginário) exemplarizada na psicossomática e no teatro – Crítica à concepção lacaniana de Simbólico como metáfora – Mal-estar do Falanjo na artificialidade do Haver – Questões sobre a ordem sintomática.

11 – 13 Out: Plerossoma
Constituições sintomáticas no Haver e no falante: autossoma, etossoma e halossoma ou heterossoma – Proposição de Terceiro lugar em ciência, epistemologia, filosofia, arte – Campo da criação da psicossomática a partir do Terceiro lugar.

12 – 03 Nov: Os anais de Saturno
Mitologia grega da temporalidade – Exame do conceito de reversibilidade na Física – Proposição do Não-Haver como atrator universal – Decantação ou temporalização da função catóptrica nos processos inconscientes – Clinâmen é resultante da vontade de catoptria do Haver – Determinação externa do Não-Haver nos processos dissipativos – “A temporalidade do Inconsciente é a temporalidade do Revirão”.

13 – 24 Nov: Hagente
Apresentação dos estudos de Humberto Maturana – Proposição de ordens de acoplamento estrutural no Haver – Sujeito está na diferença externa entre Haver e Não-Haver.

AnexoLugar do Analista & Fantasia 
Referência do Analista é indiferenciação – Reconsideração da fantasia a partir do Esquema Delta. 

Seminário Clínico

1 – 19 Ago: Navegar é impreciso – 1
Projeto de Paideia na Clínica Geral – Suspensão radical do discurso do analista – Referência sintomática nos quatro discursos de Lacan – Inscrição dos quatro discursos de Lacan no Esquema Delta – Fim de análise tem como horizonte abstração permanente – Operação do analista se faz desde a imitatio Dei – Pedagogia freudiana: educação dono pelo Inconsciente – Poder do analista.

2 – 26 Ago: Navegar é impreciso – 2
Crítica à posição demissionária do Freud Anti-Pédagogue, de Cathérine Millot – Recusa do infantilismo presente na cultura – Distinção entre recalque (Verdrängung) e juízo foraclusivo (Urteilsverwerfung) como visada da Clínica Geral – Questionamento da posição reducionista no tratamento dos discursos – Analista opera por via de Revirão – Distinção entre impossibilidade e impotência na psicanálise.

3 – 09 Set: Impasse, passe, alforria – 1
Colocação do problema da Formação do Analista – Esclarecimento sobre a proposta de Formação do Analista do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro – Questões sobre a autorização do Analista – Hierarquia borromeana e supervisão na proposta de Formação do Analista do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.

4 – 30 Set: Impasse, passe, alforria – 2: Vídeo-clube borromeu
Retomada da questão da hierarquia borromeana – Cruzamento borromeano transforma submissão em sujeição – Atenção flutuante como capacidade de receber transferência e suposição de saber – Analista é lugar de resistência – “Função da psicanálise é destruir o aparelho profissional do analista” – Esquema borromeano do controle.

5 – 07 Out: Impasse, passe, alforria – 3: Aceitação, garantia, alforria
Descrição dos lugares de formação: analista praticante (AP), da garantia (AMC) e da alforria (AA) – Exigência de funcionamento borromeano da instituição psicanalítica – Desejo do analista édesejo analista – Escola psicanalítica como entendimento do movimento do desejo e sua transmissão – Reconsideração do estatuto do Sujeito, do Outro e da castração.

6 – 28 Out: Ego ideal, ideal de ego, superego
Razões para reconsideração da questão do Ego – Ego como constituição de três construtos: Ego Ideal, Ideal de Ego e Superego – Ego é historicizado em todas as suas instâncias – Dinâmica entre as instâncias do Ego – Duplo vetor do Superego: hiperdeterminação e configuração – Prática analítica é consideração da dinâmica das instâncias do Ego, e não seu apagamento.

7 – 11 Nov: O $ujeito da incerteza – 1
Só há um Sentido: desejo de Não-Haver – Causação do Haver pelo Não-Haver – Inscrição do Sujeito no Revirão: entre alelos e como halo – Afirmação da função fálica (Falanjo), negação da função fálica (masculino) e negação da negação da função fálica (Feminino) a partir do ponto-bífido – Hierarquia entre Sujeito da Denúncia e Sujeito da enunciação e do enunciado no Revirão – Intervenção analítica situa-se no nível da denúncia – Hiperdeterminação é condição de sentido novo. 

8 – 18 Nov: O $ujeito da incerteza –2
Distinção entre Sujeito da Denúncia e Sujeito lacaniano – Sujeito enquanto tal comparece entre ae à – Função da análise é propiciar reviramento – Definição de Inconsciente a partir do Revirão – Questões sobre perversão e psicose – Esclarecimento sobre o termo Denúncia – Mística como exasperação do desejo de Não-Haver.

9 – 02 Dez: Clínica, clinâmen, declinação
Entendimento do clinâmen segundo desejo de Não-Haver – Nível fundamental e reduzido dos elementos significantes da estrutura do falante – Sentido da análise é hiperdeterminação (eventox sobredeterminação histórica) – Dois níveis de declinação do projeto clínico: declinação modal e plerômica.



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